A Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, Unesco, encerrou nesta quinta-feira sua primeira conferência mundial sobre confiabilidade na internet.
O evento, de três dias em Paris, recebeu 4,3 mil pessoas incluindo chefes de Estado e governo, jornalistas e influenciadores digitais. Para a Unesco, é preciso regular o mundo digital para combater notícias falsas, desinformação e o discurso de ódio online.
Direitos humanos e liberdade de expressão
A reunião da agência da ONU abordou as ameaças à integridade da informação e liberdade de expressão nas plataformas de redes sociais.
O chefe da área de Liberdade de Expressão e Segurança de Jornalistas da Unesco, Guilherme Canela, explicou à ONU News, de Paris, os objetivos do evento e ressaltou que embora haja consenso em relação ao tamanho do desafio, é necessário buscar acordos para enfrentá-lo.
“A gente tem um desafio enorme, que é o seguinte: tem um certo consenso em relação ao problema, nós precisamos enfrentar esse problema. Mas não há consenso em relação a como enfrentar esse problema. Por isso, a Unesco chamou esse debate global com todos esses atores para apresentar uma proposta rascunho, uma proposta em elaboração. Comentem como é que efetivamente a gente pode fazer isso. Continuar desenvolvendo as oportunidades, mitigar os riscos e fazer procuração de justiça para esses danos ao mesmo tempo em que a gente protege a liberdade de expressão”
Dentre os participantes estiveram a diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, a jornalista filipina e Prêmio Nobel da Paz, Maria Ressa, o brasileiro Felipe Neto e a subsecretária-geral de Comunicação Global da ONU, Melissa Fleming, entre outros.
Em carta lida no evento, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, disse que é preciso construir diretrizes globais para melhorar a confiabilidade das informações e, ao mesmo tempo, proteger os direitos humanos.
Em setembro, a Unesco deve divulgar recomendações sobre o processo de regulamentar a internet, o que segundo Guilherme Canela envolve diversas partes interessadas, desde governos até a sociedade civil.
“[…] estão lidando com um dos maiores desafios que nós estamos vivendo neste século, que é como é que a gente continua protegendo e estimulando e desenvolvendo as enormes oportunidades para a proteção e promoção dos direitos humanos, incluindo a liberdade de expressão que a internet nos oferece. E é verdade que há, sim, coisas impressionantes que aconteceram nos últimos 20 anos em termos de incluir novas vozes no debate público, só foram possíveis por conta da internet. Mas, ao mesmo tempo, como é que a gente mitiga os riscos – e eles existem – de desinformação, discurso do ódio, teorias da conspiração. Esses riscos impactam a democracia e impactam o pleno exercício de outros direitos humanos”
A reunião buscou abrir o diálogo global para desenvolver as primeiras diretrizes internacionais para a regulamentação das mídias sociais, promovendo a confiabilidade da informação e os direitos humanos online.
Fronteiras entre verdadeiro e falso
Na abertura do evento, a diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, disse que a fronteira entre o verdadeiro e o falso está cada vez mais imperceptível, junto com a negação dos fatos científicos, a amplificação da desinformação e das conspirações.
Segundo ela, pelo menos 55 países estão trabalhando em iniciativas regulatórias. Ela defendeu uma abordagem coerente e global, baseada nos direitos humanos.
Azoulay acredita que se essas iniciativas regulatórias forem desenvolvidas isoladamente, com cada país trabalhando em seu canto, elas estarão fadadas ao fracasso.
Ela afirma que embora a desinformação não tenha começado nas redes sociais, a ausência de regulamentação faz com que ela ganhe mais espaço que a verdade.
Audrey Azoulay ainda pediu ação para que a informação continue sendo um bem comum, garantindo que as inovações não sacrifiquem os direitos humanos, a liberdade de expressão e a democracia.
“Mentiras espalham mais rápido que fatos”
Já a jornalista ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, Maria Ressa, destacou que “as mentiras se espalham mais rápido que os fatos”. Ela adicionou que, quando misturadas com medo, raiva, ódio e tribalismo elas se espalham “como jogar um fósforo aceso em gravetos”.
A ganhadora do Nobel da Paz advertiu que, se continuarmos a tolerar algoritmos de mídia social que recompensam mentiras, as gerações futuras terão um mundo em que a verdade foi perigosamente desvalorizada.
Em sua mensagem à Conferência, o presidente Lula da Silva relembrou os violentos ataques às instituições democráticas no Brasil em 8 de janeiro.
Campanha de desinformação
Para ele, o que aconteceu foi o ápice de uma campanha, iniciada muito antes, e que usou mentiras e a desinformação como munição. Lula acredita que, em grande parte, a campanha foi alimentada, organizada e divulgada por meio de plataformas digitais e aplicativos de mensagens.
“Este é o mesmo método usado para gerar atos de violência em outras partes do mundo. Tem que parar”, afirmou em sua carta.
A subsecretária-geral de Comunicação Global da ONU, Melissa Fleming, citou uma pesquisa com boinas-azuis, na qual 44% diziam que a desinformação e o discurso de ódio online atrapalhavam o trabalho deles no terreno, em missões de país.
Ela dirigiu uma mesa redonda no evento, da qual participou o influenciador brasileiro Felipe Neto, Ele contou suas próprias experiências com conteúdo extremista impulsionado por algoritmos, como um dos criadores de conteúdo do YouTube com mais inscritos do mundo.
Ele explica que não há desejo em fechar ou combater as plataformas, mas sim falar sobre responsabilidade, e acabar com a impunidade.