“Jean Painlevé”, a exposição, abre ao público no próximo sábado, reunindo “um conjunto de filmes, fotografias e objetos que permitem mapear as diversas declinações do universo singular deste autor”, segundo a apresentação da mostra, comissariada pela plataforma artística Ampersand.
Nascido em Paris há exatamente 122 anos, em 20 de novembro de 1902, filho do matemático e político Paul Painlevé, que chegou a liderar o Governo de França por duas vezes, e primo de Pierre Naville, editor do jornal La Revolution Surréaliste, Jean Painlevé cresceu fascinado por animais, fotografia, corridas de automóveis e por manifestações culturais que se cruzavam na capital francesa, das artes plásticas, à literatura, do cinema ao bailado, da música jazz à mais erudita.
Formou-se em Ciências Naturais e especializou-se em Anatomia Comparada na Sorbonne, onde entrou em 1922. Fez parte do laboratório de investigação do embriologista Paul Wintrebert e privilegiou sempre o trabalho de campo, a que associou o gosto pela fotografia, pelo cinema e pelo mergulho, de que também foi pioneiro.
“Antes de Jacques Cousteau, houve Jean Painlevé”, escreveu James Leo Cahill, professor de Estudos de Cinema na Universidade de Toronto, autor de “Zoological Surrealism – The Nonhuman Cinema of Jean Painlevé”. Mas entre um e outro, houve mais do que a distância de anos do trabalho. Segundo Cahill, houve a atitude de Painlevé e o seu cuidado na “prática de observação que desempenhou um papel decisivo – e por vezes esquecido – no surreaismo francês”.
“Comprometido com as vanguardas estéticas do seu tempo, Painlevé, com a sua principal colaboradora e companheira de vida, Geneviève Hamon, aliou o olhar de um cientista à sensibilidade de um surrealista para produzir um bestiário cinematográfico de mais de 200 filmes que inovaram nas áreas do cinema científico, dos filmes da natureza e de caráter experimental”, escreveu Cahill.
“Conjugando rigor científico, apuro técnico e um sentimento de admiração por fenómenos zoológicos […], os filmes de Painlevé documentam formas estranhas, vidas e hábitos alimentares de criaturas invulgares com uma curiosidade generosa, um apetite pelo invulgar e uma inteligência apurada, o que é evidente nos comentários irónicos e no uso aventureiro do jazz e da música experimental nas bandas sonoras”, afirma o autor de “Zoological Surrealism”.
Numa obra nascida em contexto de investigação, Painlevé, segundo Cahill, não hesitou em “criar fábulas onde a observação cuidadosa da vida animal também lança um olhar crítico sobre a vida humana”, na tradição de La Fontaine, suscitando admiração de gerações de cineastas como Luis Buñuel, Jean Renoir e Roberto Rossellini.
O realizador Raul Ruiz visitou o universo de Painlevé numa das suas derradeiras obras, “Ballet Aquatique” (2010-2011) – exibida em outubro passado na Cinemateca Portuguesa -, através dos filmes “O Polvo” e “Assassinos de Água Doce”.
Desde o final da adolescência, Jean Painlevé privou com cineastas, escritores, compositores, artistas como Sergei Eisenstein, Jean Vigo e Luis Buñuel, Antonin Artaud e Max Jacob, Edgar Varèse e Luigi Russolo, Fernand Léger, Jean Arp, Duchamp, Picasso.
Em 1924, foi um dos autores do primeiro e único número da revista Surrealisme, que incluía o manifesto do movimento, com o ensaio “Neo-Zoological Drama”. A proximidade ao movimento intensificou-se: filmou sequências para a estreia da peça de Yvan Goll “Methusalem, L’Eternal Bourgeois”, desenhou para a revista La Révolution Surréaliste, de André Breton, fez as imagens da “Estrela do Mar” para o filme de Man Ray. Foi também um dos fundadores da Association des Écrivains et Artistes Révolutionnaires, com André Gide, Max Ernst, Cartier-Bresson, André Kertész.
Os seus primeiros filmes datam de 1925. Até ao início da II Guerra Mundial, em 1939, produziu perto de três dezenas de títulos, a maioria em meio marinho, numa série que teve início em “O ovo do esgana-gata” e terminou em produções como “Equations Mathématiques de la Lutte pour la Vie”. É deste período o conhecido “Cavalo Marinho”, exibido pela Cinemateca Portuguesa, em 2017.
Painlevé só voltaria a filmar após o conflito, depois de se ter juntado à Resistência e de ter assumido a direção da Cinemateca Francesa, por indicação do fundador Henri Langlois, em vésperas da Libertação.
Nos anos seguintes, completaria uma filmografia de mais de 200 obras, de regresso ao mar, com produções como “Comment naissent des Méduses” e “Les Danseuses de la Mer”, mas também em terra, com filmes como “Calder’s 1927 Great Circus”, sobre a instalação do artista norte-americano em Paris, e “O Triunfo da Morte”, sobre o quadro de Pieter Bruegel, o Velho.
A perspetiva de Jean Painlevé teve lugar na ‘nouvelle vague’. O realizador fez parte do Grupo dos 30, com Chris Marker, Alain Resnais e Pierre Kast, em defesa do estatuto da curta-metragem; deu a Jean-Luc Godard os instrumentos para o ‘travelling’ do “A bout de souffle”, nos Campos Elísios; e esteve com Gilles Deleuze, Jacques Lacan, Alain Badiou e Michel Foucault no corpo docente da Universidade Experimental de Vincennes, surgida no contexto do Maio de 68.
Em 1982, concluiu o derradeiro filme, “Les Pigeons du Square”. Morreu em Paris, em 02 de julho de 1989.
O trabalho de Jean Painlevé fica exposto na Culturgest, em Lisboa, de 23 de novembro a 23 de março de 2025. A exposição é comissariada por Alice Dusapin e Martin Laborde, da Ampersand, com o curador Baptiste Pinteaux. Na quinta-feira, dia 21, é feita uma antevisão da mostra para professores.
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