Nesta quinta-feira, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, Unesco, recebeu uma Conferência Internacional sobre Ética na Neurotecnologia em sua sede, em Paris.
Em mensagem ao evento, o secretário-geral da ONU, António Guterres, destacou que o setor está “avançando em alta velocidade” e levando esperança para milhões de pessoas que enfrentam desafios de saúde, como Alzheimer e esclerose múltipla.
Cautela
No entanto, ele traz um alerta, pedindo que os padrões éticos e a proteção dos direitos humanos sejam respeitados. Para Guterres, isso significa a implementação de regras robustas de integridade, privacidade e liberdade mental.
Além disso, o chefe da ONU afirma que serão necessárias diretrizes mais fortes e claras que regem a aplicação da neurotecnologia. Para ele, a Conferência Internacional sobre Ética na Neurotecnologia não poderia ser mais oportuna.
Além de Guterres, o evento contou com a diretora-geral da Unesco, Audrey Azulay, o presidente do Chile, Gabriel Boric, e o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez. Especialistas do setor e representantes da ONU também estavam na agenda.
Direitos humanos e liberdades fundamentais
O evento busca explorar o potencial desta ciência e abordar os desafios éticos que ela representa para os direitos humanos e liberdades fundamentais.
Estiveram presentes formuladores de políticas e especialistas, representantes da sociedade civil e organizações da ONU, academia, mídia e empresas do setor privado.
Em colaboração, o objetivo final do diálogo é promover a compreensão das questões éticas relacionadas à governança da neurotecnologia, informando o desenvolvimento da estrutura ética a ser aprovada por 193 estados membros da Unesco.
A agência da ONU já estabeleceu diretrizes éticas globais sobre outros temas similares, como genoma humano, em 1997, dados genéticos humanos, em 2003, e inteligência artificial em 2021.
O que é neurotecnologia?
A neurotecnologia abrange qualquer tipo de dispositivo ou procedimento projetado para “acessar, monitorar, investigar, avaliar, manipular e/ou emular a estrutura e a função dos sistemas neurais”.
Os dispositivos neurotecnológicos variam de “vestíveis” a interfaces não invasivas de computadores cerebrais, como membros robóticos, a implantes cerebrais atualmente sendo criados para tratar deficiências, como paralisia.
Segundo dados da Unesco, uma em cada oito pessoas em todo o mundo vive com um distúrbio mental ou neurológico, desencadeando custos relacionados aos cuidados que representam até um terço das despesas totais com saúde nos países desenvolvidos.
Esses encargos também estão crescendo em países de baixa e média rendas. Espera-se que essas despesas cresçam globalmente, considerando que o número de pessoas com mais de 60 anos deve dobrar até 2050 para 2,1 bilhões.
A neurotecnologia tem um vasto potencial para reduzir o número de mortes e incapacidades causadas por distúrbios neurológicos, como Epilepsia, Alzheimer, Parkinson e AVC.
Ameaças aos Direitos Humanos
Para a agência da ONU, sem barreiras éticas, essas tecnologias podem representar sérios riscos, pois as informações do cérebro podem ser acessadas e manipuladas. Entre os potenciais efeitos estão ameaças aos direitos e liberdades fundamentais, que são essenciais para a noção de identidade humana, liberdade de pensamento, privacidade e memória.
A Unesco observa que os dados neurais, que capturam as reações e emoções básicas do indivíduo, estão em alta demanda nos mercados de consumo.
Ao contrário dos dados pessoais coletados pelas plataformas de mídia social, a maioria dos dados neurais é gerada inconscientemente, portanto, não existe um procedimento para consentimento de uso.
A Unesco receia que dados confidenciais extraídos caiam em mãos erradas e cause consequências prejudiciais.
Desigualdades globais
Outro ponto destacado pela Unesco é que, atualmente, 50% das empresas de neurotecnologia estão nos EUA e 35% na Europa e no Reino Unido.
Como a neurotecnologia poderia inaugurar uma nova geração de “super-humanos” e ampliaria ainda mais a lacuna de educação, habilidades, riqueza e oportunidades dentro e entre os países, dando àqueles com a tecnologia mais avançada uma vantagem injusta.